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Parecer PGR 29/2024

Inadmissibilidade do pagamento da indemnização moratória fixada nos termos do artigo 165.º, n.º 4, do CPTA, em execução deduzida contra o Ministério do Ambiente e Ação Climática 09-04-2025 Direção Regional da Administração Pública
Parecer PGR 29/2024

Parecer n.º 29/2024, do Ministério Público, sobre a inadmissibilidade do pagamento da indemnização moratória fixada nos termos do artigo 165.º, n.º 4, do CPTA, em execução deduzida contra o Ministério do Ambiente e Ação Climática, pela Secretaria-Geral do Ministério das Finanças.

 

Conclusões:

1.ª A intenção do legislador com o Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, foi, como decorre do preâmbulo e do próprio diploma, a de criar um esquema financeiro que permitisse fazer face a despesas imprevistas e de montante elevado, centralizando, na Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, o pagamento de determinadas verbas, nomeadamente as relativas às condenações do Estado por sentença dos tribunais em pagamento por danos causados a terceiros (cf. artigos 1.º, corpo e 3.º do Decreto-Lei n.º 74/70);

2.ª Para o ressarcimento por força da verba inscrita no capítulo «Despesas comuns» do Orçamento do Ministério das Finanças, nos termos dos artigos 1.º, n.º 1, alínea c), e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 74/70, na redação vigente, impõe-se que o Estado tenha sido condenado por sentença transitada em julgado ao pagamento por danos causados a terceiros, desde que o serviço do Estado em causa não constitua serviço com autonomia administrativa e financeira, nem seja dotado de autonomia administrativa e receitas próprias não consignadas;

3.ª Receitas próprias que se caraterizam por ser as que decorrem de cobranças efetuadas pelos serviços ou organismos do Estado, resultantes da sua atividade específica, da administração e alienação do seu património e quaisquer outras que por lei ou contrato lhes devam pertencer e sobre as quais detêm poder discricionário no âmbito dos respetivos diplomas orgânicos (artigo 57.º, n.º 1, da Lei de Enquadramento Orçamental, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de setembro);

4.ª Consagrando a lei a regra ou princípio da não consignação de receitas, apenas excecionalmente são admitidas as receitas consignadas, que se caraterizam por ser aquelas que, por concreta determinação, se encontram afetas a despesas pré-determinadas, podendo em casos especialmente justificados ser consignadas receitas a serviços sem autonomia financeira, mediante portaria conjunta do ministro competente e do Ministro das Finanças (artigos 16.º da Lei de Enquadramento Orçamental e 5.º da Lei n.º 8/90);

5.ª Com a Lei n.º 8/90, de 20 de fevereiro, o regime financeiro dos serviços e organismos da Administração Central passou a ser, em regra, de autonomia administrativa nos atos de gestão corrente (artigos 2.º da referida Lei e do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, e 12.º da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro) e excecionalmente de autonomia administrativa e financeira, atribuindo a lei a estes personalidade jurídica (artigos 6.º e 9.º da Lei n.º 8/90, e 44.º do Decreto-Lei n.º 155/92);

6.ª Atenta a estruturação do Estado-Administração em Administração direta, indireta e autónoma, a Administração direta abrange o conjunto de serviços centrais e periféricos, estruturados em ministérios, dependentes do Governo, e sujeitos ao poder de direção dos seus membros (cf. artigos 2.º, n.os 1 e 2, 4.º e 11.º, n.os 5 e 6, e 12.º da Lei n.º 4/2004, bem como, designadamente, os artigos 11.º, n.º 2, 17.º, n.º 2, e 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 32/2024);

7.ª Por sua vez, os ministérios são legalmente definidos, como departamentos sectoriais da Administração Pública, delimitados pelas respetivas atribuições, podendo cada ministro ter sob a sua direção vários ministérios, nos termos definidos pelo decreto-lei que aprova a orgânica do Governo ministro (artigo 4.º, n.os 1 e 2, da Lei n.º 4/2004);

8.ª Aliás, desde momento anterior ao Decreto-Lei n.º 74/70, de 2 de março, que os ministérios são considerados departamentos governamentais ou ministeriais, sem personalidade jurídica, com competências determinadas, dirigidos pelos ministros respetivos, compreendendo, na sua estrutura, o conjunto de serviços da administração direta, que preparam e executam as decisões dos concernentes membros do Governo, tendo os serviços que integram esse conjunto, por regra, desde a Lei n.º 8/90, autonomia administrativa (cf. artigos 4.º, n.º 1, e 12.º da Lei n.º 4/2004, 2.º da Lei n.º 8/90 e do Decreto-Lei n.º 155/92, e, entre outros, os artigos 1.º, n.º 1, e 5.º do Decreto-Lei n.º 13/70, de 14 de janeiro, 11.º, n.º 1, 12.º, n.º 1, 17.º, n.º 1, 18.º, n.º 1, 19.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, 21.º, n.º 1, 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, 25.º, n.º 1, 27.º, n.º 1, e 28.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 32/2024);

9.ª Destarte, o Ministério do Ambiente e Energia, como qualquer outro departamento governamental, com os respetivos órgãos e serviços centrais e periféricos que integram a administração direta do Estado, sujeitos ao poder de direção do respetivo membro do Governo (Ministro), tem a sua estrutura orgânica e atribuições definidas na concernente Lei orgânica, que igualmente distingue os serviços e organismos que pertencem à administração direta dos da administração indireta [cf. artigos 2.º, n.os 1 e 2, 4.º, 11.º, n.º 4, alínea b), da Lei n.º 4/2004, de 15 de janeiro, e 2.º a 5.º do Decreto-Lei n.º 17/2014, de 4 de fevereiro];

10.ª Aquando da publicação e entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 74/70, o processo administrativo vigente assentava em os recursos contenciosos de impugnação de atos ou omissões de uma entidade pública serem deduzidos contra os autores do ato enquanto as ações designadamente, as de indemnização pela prática desses atos, tal-qualmente em processo civil, eram deduzidas contra a pessoa coletiva pública - Estado ou outra -, não sendo admissível a cumulação de pedidos a que correspondessem formas de processos diferentes (cf., em especial, artigos 815.º, § 1.º, alínea b), 835.º, § 3.º, 839.º, § 2.º, 840.º, corpo, e 851.º, § único, do Código Administrativo e 48.º do Regulamento do Supremo Tribunal Administrativo, aprovado pelo Decreto n.º 41234, de 20 de agosto de 1957);

11.ª Com o Código de Processo nos Tribunais Administrativos rompe-se com o princípio tradicional de atribuir personalidade e capacidade judiciária aos órgãos administrativos, passando, em regra, a ser sujeitos processuais as pessoas coletivas públicas em que se inserem os órgãos administrativos, mas na circunstância específica de «processos contra o Estado» que se reportem à ação ou omissão de órgãos é atribuída personalidade judiciária aos Ministérios em que esses órgãos se integram (artigo 10.º, n.º 2);

12.ª E também veio admitir a cumulação de pedidos mesmo no caso de a estes corresponderem formas de processos diferentes (ora, tramitações diferentes) ou tribunais de hierarquia distinta, bem como permitir, no novel processo executivo, quanto à execução de prestação de facto ou de coisas, que, na petição, o exequente requeira indemnização moratória (cf. artigos 4.º, 10.º, 21.º e 164.º, n.º 4, corpo, do CPTA);

13.ª O Código de Processo nos Tribunais Administrativos veio estender aos Ministérios a personalidade Judiciária do Estado, atribuindo a estes departamentos governamentais legitimidade processual passiva em determinadas situações, o que acontece nas ações impugnatórias de atos ou nos casos de cumulação de pedidos de relações contratuais ou de responsabilidade civil «pura» com a impugnação de ato jurídico a órgãos do Estado ou de sobre estes órgãos recair o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos [cf. artigos 4.º ― em especial n.º 2, alíneas a) a f) ―, e 10.º, n.os 1 e 2, do CPTA, em qualquer das versões, e 8.º-A, n.º 3, e 10.º, n.º 7, na redação conferida pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015];

14.ª Não foi necessariamente concebível pelo legislador do Decreto-Lei n.º 74/70 a admissibilidade de tais soluções inovadoras previstas na lei processual administrativa porque então, da lei vigente resultava que a pessoa jurídica Estado, enquanto pessoa coletiva pública, com personalidade judiciária era a entidade jurídica com legitimidade processual designadamente nos pedidos indemnizatórios por responsabilidade civil extracontratual contra a pessoa jurídica Estado e jamais o Ministério (cf. artigo 5.º do Código de Processo Civil, na redação vigente em 1970);

15.ª Todavia, nos referidos processos em que a parte demandada ou executada é, por força da lei, o Ministério, não deixamos de estar perante «processo contra o Estado», como o legislador expressamente assume no n.º 2 do artigo 10.º do CPTA, por a sentença necessariamente se refletir na esfera jurídica da pessoa jurídica Estado, sendo esta quem, efetivamente, é compelida a cumprir, de modo necessário através do respetivo departamento ou serviço, tudo se passando como se fosse a pessoa jurídica Estado Português a quem coubesse legitimidade processual;

16.ª Entendimento a que nos conduz o pensamento legislativo, a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, bem como a sua função e finalidade ou escopo, comportadas pelo âmbito da letra da lei (artigo 9.º, n.os 1 e 2, do Código Civil);

17.ª Por conseguinte, as despesas em causa - pagamento de indemnização resultante de responsabilidade por mora na prestação de facto atribuída por sentença em processo administrativo em que era demandado o Ministério do Ambiente - englobam-se nas referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 74/70;

18.ª Quanto ao âmbito subjetivo de aplicação do Decreto-Lei n.º 74/70, previsto no seu artigo 4.º, n.º 1, tomando em consideração as caraterísticas das referidas modalidades de Administração Pública (administração direta, de administração indireta e de administração autónoma), os serviços destinatários das disposições são os que integram a designada administração direta do Estado, relativamente aos quais o Governo, por intermédio do respetivo Ministro, pode exercer os seus poderes de direção, contanto que não se esteja perante serviços com autonomia financeira ou com autonomia administrativa e receitas próprias não consignadas;

19.ª Na situação versada, verifica-se a circunstância contemplada no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 74/70, ou seja, de o Estado ter sido compelido a pagar, por sentença dos tribunais com trânsito em julgado, sendo, assim, da sua responsabilidade o pagamento da indemnização, o que aponta, pois, no sentido de o ressarcimento ser por força da verba inscrita no capítulo «Despesas comuns» do Orçamento do Ministério das Finanças, desde que se manifeste existir o requisito contemplado na conclusão anterior;

20.ª Assim, ocorrendo o contexto previsto no artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 74/70, cabe à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças, uma vez demonstrada a verificação das condições que afastam o n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 74/70, proceder ao pagamento, desde que o Ministério do Ambiente não tenha uma verba inscrita no Orçamento do Estado para as despesas em causa; e

21.ª Já não cabe, no entanto, à Secretaria-Geral do Ministério das Finanças proceder ao pagamento quer nas situações excecionadas no n.º 1 do referido artigo 4.º, quer mesmo se afastada a verificação das condições aí contempladas, se considerar, logo que demonstrado pelo Ministério da Finanças, que o Ministério do Ambiente tenha uma verba inscrita no Orçamento do Estado para tais despesas.

 

Este Parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 28 de novembro de 2024.

Amadeu Francisco Ribeiro Guerra - José Joaquim Arrepia Ferreira (relator) - Carlos Alberto Oliveira - Ricardo Lopes Dinis Pedro - Maria Carolina Durão Pereira - José Manuel Ribeiro de Almeida - Helena Maria de Carvalho Gomes de Melo - Eduardo André Folque da Costa Ferreira - João Conde Correia dos Santos.

Este Parecer foi homologado por despacho de Sua Excelência a Ministra do Ambiente e Energia de 15 de janeiro de 2025.

3 de abril de 2025. - A Secretária-Geral da Procuradoria-Geral da República, Carla Botelho Albuquerque Azevedo.

 

https://www.ministeriopublico.pt/sites/default/files/2025-03/pp2024029.pdf

 


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