Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, sobre Inaplicabilidade aos trabalhadores das antigas carreiras especiais de escriturário e de ajudante dos registos e notariado das revalorizações indiciárias previstas nos decretos-leis de execução orçamental referentes aos anos de 2000 a 2004
Conclusões:
1.ª - O conjunto normativo constituinte do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, que define os princípios gerais das remunerações da função pública, em desenvolvimento do novo sistema retributivo, implantado pelo Decreto-Lei n.º 184/89, de 2 de junho, prevalece sobre quaisquer normas gerais e especiais (artigo 44.º), sempre sem prejuízo da salvaguarda dos regimes especiais prevista no artigo 43.º do mesmo diploma;
2.ª - O sistema retributivo desenvolvido pelo Decreto-Lei n.º 353-A/89, manteve a dicotomia retribuição de categoria e retribuição de exercício, sendo respetivamente iguais a 5/6 e 1/6 da retribuição-base, em que as integrou, e estabeleceu que esta era determinada pelo índice correspondente à categoria e escalão em que o funcionário ou agente estava posicionado, o que se efetivou pela substituição da tabela de letras por novas escalas indiciárias para as carreiras de regime geral e especial, para os cargos dirigentes e para os diferentes corpos especiais, indicando ainda as carreiras consideradas corpos especiais (artigos 16.º e 17.º do Decreto-Lei n.º 184/89, e 4.º e 5.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89);
3.ª - O índice 100 da escala salarial das carreiras de regime geral e de regime especial passou a constituir um referencial de cálculo da remuneração base mensal correspondente a cada categoria e escalão em que o funcionário ou agente estivesse posicionado, estando sujeito a atualização anual (artigos 4.º, n.os 1 a 4, do Decreto-Lei n.º 353-A/89, 17.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 184/89 e 25.º do Decreto-Lei n.º 110-A/81, de 14 de maio);
4.ª - O regime especial do pessoal dos registos e do notariado, e, assim, do pessoal equivalente aos atuais oficiais dos registos e do notariado, foi clara e expressamente excluído do âmbito do novo sistema retributivo aplicável aos funcionários e agentes da Administração Pública como regravam os artigos 41.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 184/89, e 43.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.os 353-A/89, o que o artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril, veio confirmar e os artigos 59.º do Decreto-Lei n.º 92/90, de 17 de março, e 44.º do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de dezembro, também evidenciavam;
5.ª - Regime especial que foi, assim, de forma clara e inequívoca, expressamente mantido, como regime próprio e autónomo, atenta a determinada aplicação das respetivas disposições estatutárias, como normas especiais vocacionadas especificamente para esse pessoal dos registos, situação que se verificava no período de 2000 a 2004 e se manteve até 2019;
6.ª - O regime estatutário especial do pessoal dos registos e do notariado, contemplado no Decreto-Lei n.º 519-F2/79, de 29 de dezembro, no concernente, em particular, ao seu sistema remuneratório, concretizado também no Decreto-Lei n.º 131/91, quanto ao vencimento de categoria, e nas portarias que estabeleciam o valor do vencimento de exercício, caraterizava-se por ser constituído por especificidades que o apartavam do âmbito de aplicação do regime geral, aplicável, sim, às «carreiras de regime geral» e a «carreiras de regime especial» a que, então, os artigos 21.º, 22.º 26.º e 29.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89 e 17.º do Decreto-Lei n.º 404-A/98, de 18 de dezembro, se referiam, fruto igualmente dos particulares conteúdos funcionais das atividades desenvolvidas (dos registos e do notariado) e das exigências para o efeito necessárias;
7.ª - Aliás, o legislador claramente distinguiu a situação das «outras carreiras de regime especial» (artigo 29.º do Decreto-Lei n.º 353-A/89) das situações de «regimes especiais», em que incluiu o pessoal dos registos e do notariado (artigo 43.º, n.º 1 do mesmo decreto-lei), na caraterização efetuada - respetivamente «carreiras de regime especial» e «regime especial» - e no facto, já referido, de apenas os regimes especiais em que incluiu o pessoal dos registos, serem excluídos do regime geral que os Decretos-Leis n.os 184/89, 353-A/89, e 427/89 corporizavam;
8.ª - Na verdade, a retribuição-base dos oficiais dos registos e do notariado tinha também duas componentes: uma fixa, o vencimento de categoria (ordenado) e a outra variável, correspondente à participação emolumentar, considerada para todos os efeitos «vencimento de exercício», e que se traduz numa «percentagem da receita global líquida da totalidade dos serviços apurada em cada mês», em termos fixados por portaria (artigos 59.º, n.º 3, e 61.º do Decreto-Lei n.º 519-F2/79 e artigo 1.º e Mapa II do Decreto-Lei n.º 131/91);
9.ª - A partir de 1 de janeiro de 1990, para além de serem fixadas as percentagens emolumentares para cálculo da participação emolumentar (vencimento de exercício) e respetivos limites, passou a ser assegurado aos oficiais de registo, a título de participações emolumentares, no mínimo, a percentagem de 60 % ou 65 % do valor do vencimento de categoria, as quais eram atualizadas sempre que o fossem os vencimentos de categoria (Portaria n.º 699/90, de 4 de agosto);
10.ª - Com efeitos a partir de 1 de outubro de 1999 e, pelo menos, até 31 de dezembro de 2001, foram fixadas novas percentagens emolumentares para cálculo da participação emolumentar, estabelecendo-se limites, e foi assegurado um vencimento de exercício correspondente a 100 % do vencimento de categoria - e aos oficiais das conservatórias dos Registos Centrais e do Arquivo Central ficava assegurada, também como mínimo, uma participação emolumentar igual ao respetivo vencimento de categoria acrescida de 70 % - (cf. Portaria n.º 940/99 de 27 de outubro);
11.ª - Com a Portaria n.º 1448/2001, de 28 de dezembro, o vencimento de exercício, transitoriamente, tornou-se «tendencialmente fixo», o que foi mantido até o final de 2019, passando as participações emolumentares, com a Portaria n.º 1110/2003, de 29 de janeiro, a serem atualizadas de acordo com a taxa que viesse a ser fixada para o índice 100 da escala indiciária do regime geral (Portaria n.º 1448/2001, de 22 de dezembro, e artigo 14.º, alínea i), do Decreto-Lei n.º 145/2019, de 23 de setembro);
12.ª - Apenas o vencimento base (vencimento de categoria), com escalas indiciárias próprias, relativas a cada categoria profissional estabelecidas no Decreto-Lei n.º 131/91, era referenciado ao índice 100 da escala indiciária do regime geral que acompanhavam a atualização deste índice artigo 1.º, n.º 1, deste Decreto-Lei n.º 131/91);
13.ª - A aplicação da atualização do índice 100 às escalas indiciárias atinentes aos vencimentos base (vencimento de categoria) do pessoal dos registos e do notariado era feito por força do artigo 1.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 131/91, ao determinar que as escalas salariais do pessoal dos registos e do notariado acompanhavam a atualização do índice 100 da escala indiciária do regime geral;
14.ª - Essa disposição normativa surge como necessária para a aplicação ao pessoal dos registos e do notariado da revisão anual das remunerações dos funcionários e agentes da administração central, local e regional por se encontrar subtraído das carreiras do regime geral e do regime especial contempladas nos Decretos-Leis n.os 184/89 e 353-A/89, e visto não constituir um corpo especial, não se integrar nas carreiras dos cargos dirigentes nem se incluir na demais classes de pessoal abrangidas pelas portarias de atualização salarial;
15.ª - O caráter autónomo e paralelo (face ao regime geral), do regime privativo do pessoal dos registos e do notariado, apesar de não se lhe aplicar diretamente o regime geral consignado essencialmente no Decreto-Lei n.º 353-A/89, não impedia, por um lado, que o próprio regime tivesse pontos de proximidade ou fosse, até, pelo mesmo influenciado nem, por outro lado, que o regime geral se lhe aplicasse nos casos em que o próprio regime especial expressamente o indicasse ou subsidiariamente (para os casos omissos) como é comum nas relações entre normas gerais ou regimes gerais e norma especial ou regime especial;
16.ª - Ao admitir-se no artigo 13.º do Decreto-Lei n.º 131/91, a aplicação analógica do regime geral para os casos omissos, a lei está-nos a dizer que o regime que esse diploma institui, específico do pessoal dos registos e do notariado, não é um regime de natureza excecional perante o regime geral, antes constitui, sim, um regime que, pelas suas especificidades face ao regime geral, constitui um regime especial, como aliás a própria lei o apoda nos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 184/89, e 43.º do Decreto-Lei n.os 353-A/89;
17.ª - Nesta medida, o regime dos oficiais dos registos e do notariado é considerado na lei, no que concerne aos princípios gerais de salários, ao estatuto remuneratório e estrutura das remunerações base das carreiras e categorias, como um regime especial, expressamente excluído dos Decretos-Leis n.os 184/89 e 353-A/89, e, na verdade, um regime específico com peculiaridades que não contradizem ou se opõem ao regime geral, não constituindo todavia um regime excecional;
18.ª - As revalorizações ocorridas no período de 2000 a 2004, e veiculadas pelos decretos-leis de execução orçamental (artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, de 5 de maio, 49.º, 50.º e 51.º do Decreto-Lei n.º 77/2001, de 5 de março, 41.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 23/2002, de 1 de fevereiro, 41.º, 42.º e Mapa I do Decreto-Lei n.º 54/2003, de 28 de março, e 43.º, 44.º e Mapa I do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de março) respeitavam aos índices mais baixos das escalas indiciárias «de regime geral» e «de regime especial» (no ano de 2000 a revalorização cingiu-se do índice 110 até ao índice 200; no ano seguinte até ao índice 210, no ano de 2003 até ao originário índice 325 e em 2004 até ao índice 330), e nos anos 2003 e 2004 relativamente à maior parte dos índices mais baixos de alguns corpos especiais, tendo no ano de 2000 sido expressamente excluídos dessa revalorização os ajudantes das carreiras de operário qualificado e semiqualificado e quaisquer outras situações de pré-carreira;
19.ª - A indicação efetuada nos artigos 41.º do Decreto-Lei n.º 70-A/2000, 49.º do Decreto-Lei n.º 77/2001, no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 23/2002, no artigo 41.º, n.º 1, e Mapa I do Decreto-Lei n.º 54/2003 e no artigo 43.º, n.º 1, e Mapa I do Decreto-Lei n.º 57/2004, a escalões da escala salarial das «carreiras de regime geral e de regime especial» evidencia concordância sintagmática com os termos que os Decretos-Leis n.os 184/89 e 353-A/89 e as subsequentes portarias de atualização salarial dos funcionários e agentes da administração central, local e regional utilizam;
20.ª - Não deixa de ser paradigmático que a única referência feita pelo legislador, em cada um dos Decretos-Leis n.os 353-A/89 e 184/89, a pessoal «das conservatórias» e dos «cartórios notariais» (e, assim, mormente ao pessoal das carreiras de oficiais dos registos e do notariado) fosse para o excluir da aplicação do regime geral que os constituem, considerando-os «regimes especiais»;
21.ª - A revogação por uma lei geral, como os mencionados decretos-Leis de execução orçamental, de lei especial pode ocorrer por declaração expressa (revogação expressa), por meio de incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes (revogação tácita), ou por a nova lei regular toda a matéria da lei anterior (revogação global), se esse for o sentido inequívoco da lei (artigo 7.º, n.os 2 e 3, do Código Civil);
22.ª - Os decretos-leis de execução orçamental para os anos de 2000 a 2004 não procederam à revogação global dos «regimes especiais» nem contêm qualquer disposição que, de forma expressa, procedesse à revogação parcial (derrogação) do regime especial atinente ao pessoal dos registos e do notariado constante do Decreto-Lei n.º 131/91;
23.ª - O legislador tinha perfeito conhecimento do regime do pessoal dos registos e do notariado e da sua exclusão do regime geral que os Decretos-Leis n.os 184/89 e 353-A/89 corporizam, bem como tinha cabal conhecimento do regime especial que o Decreto-Lei n.º 131/91 instituía;
24.ª - A mera referência nesses dispositivos dos decretos-leis de execução orçamental às «carreiras do regime especial» mostra-se, pois, atento o disposto nos artigos 7.º , n.os 2 e 3, e 9.º do Código Civil, insuficiente para abranger a derrogação do estatuto remuneratório dos oficiais dos registos e do notariado, tanto mais que inexiste qualquer normativo a determinar a aplicação dessa derrogação às escalas indiciárias deste pessoal;
25.ª - Também seria insuficiente a referência a carreiras do regime geral, pois destas e no que concerne às escalas indiciárias do pessoal dos registos e do notariado apenas as atualizações do valor do índice 100 (das carreiras de regime geral) relevam, pelo que as revalorizações dos índices da escala do pessoal de regime geral não acarretam a dos índices da escala do pessoal dos registos e do notariado em virtude de a modificação do regime geral não afetar o regime especial por a lei especial tomar em consideração situações particulares que não são valoradas pela lei geral; e
26.ª - Nesta conformidade, as escalas indiciárias relativas aos ordenados (vencimentos de categoria) dos oficiais dos registos e do notariado (bem como dos conservadores e notários), fixadas pelo Decreto-Lei n.º 131/91, de 2 de abril (artigo 1.º e Mapas anexos), mantiveram-se em vigor, sem alteração, desde a sua instituição até este diploma ter sido revogado pelo artigo 14.º, alínea d), do Decreto-Lei n.º 145/2019.
Este Parecer foi votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, de 2 de novembro de 2023.
Carlos Adérito da Silva Teixeira - José Joaquim Arrepia Ferreira (Relator) - Carlos Alberto Oliveira - Ricardo Jorge Bragança Matos - Ricardo Lopes Dinis Pedro - Eduardo André Folque da Costa Ferreira - João Conde Correia dos Santos.
Este Parecer foi homologado por despacho de Sua Excelência a Secretária de Estado da Justiça de 9 de novembro de 2024.
20 de fevereiro de 2025. - A Secretária-Geral da Procuradoria-Geral da República, Cristina Botelho.